24 Abr, 2024
Trevas e luz: Um caminho para a liberdade
A luta pela liberdade acompanhou vários escritores e jornalistas durante toda a Ditadura portuguesa (1926-1974). Irene Lisboa, autora nascida no concelho de Arruda dos Vinhos, não fica de fora desta luta. Levou-a muito a sério ao longo de toda a sua vida literário e cívica. Já em 1913, no início da 1.ª República, num jornal escolar de sua autoria, depois de ser chamada ao diretor por ser muito ousada nas palavras, Lisboa escreve sem receios:
Aconselho as minhas colegas de Escola e Redação a tomarem sempre muito cuidado na escolha dos aparos, porque se um dia lhes acontece escreverem com um mais acerado, correm o risco de ser picadas por todos os lados… isto é… pica o aparo, pica a inveja e picam os ódios! (Educação Feminina, n.º 7, p. 5)
Um quarto de século mais tarde, já em Ditadura, quando os escritores e jornalistas tinham de escrever de forma velada para dizer o que lhes ia na alma devido ao peso da mão censória, Irene Lisboa começa um dos seus textos da seguinte forma:
Levei anos, pacientemente, a abrir galerias subterrâneas. Toda a minha ambição era romper até à luz! E aí me punha eu dia e noite em teimosas lutas com a terra e com as rochas que me tolhiam a passagem. Ai, que alegria tamanha senti no dia primeiro em que descobri o céu por entre os últimos grãos de terra que tinha a vencer! (Lisboa, 2018, Dizia o rio, p. 5)
Este excerto faz lembrar a forma como Hélia Correia, penso que numa entrevista televisiva, colocou a questão do antes e do depois do 25 de Abril. O 25 de Abril de 1974, referia a escritora, constitui a linha que separa, em Portugal, a Idade das Trevas da Idade da Luz. Tudo o que está para cá dessa linha, isto é, tudo o que se passou nesta Idade da Luz se deve a essa data. Assim, o 25 de Abril de 1974 é o símbolo desse caminho que não é perfeito, mas é incomparavelmente melhor do que o caminho das trevas, a que alguns desejam voltar, talvez porque precisem de o viver na pele. Contudo, digo eu, vivam-no sozinhos.
Comemorar o 25 de Abril é, portanto, comemorar todas as outras datas importantes da Democracia, incluindo o 25 de Novembro, cujas ações de homens e mulheres, antes e depois, ajudaram a derrubar a mais longa Ditadura da Europa. Este exercício de memória, como bem referiu o General Ramalho Eanes, deve ser feito todos os dias, porque a Liberdade e a Democracia nunca estão verdadeiramente seguras. Mas falo de comemorar, não falo seguramente de saudar pessoas e datas, isso, nunca. As saudações, em termos sociopolíticos, fazem-me lembrar símbolos de má-memória.